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Carnaval Pluriel (Carnaval Plural) é o titulo do livro a ser publicado pelas Editions MF, de Paris, em dezembro de 2021. O projeto, concebido pelo editor Bastien Gallet, tem a participação de autores e autoras do Brasil e da França,  bem como de artistas dos dois paises, e ainda da Argentina, do Peru e do Equador. Uma edição em português será lançada no Brasil em 2022.

Captura de Tela 2021-02-15 às 18.43.19.

primeira boneca do livro, por Jauneau Vallance

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 Livro-Bloco, Máquina de festa

 

 

Tirar o pensamento para dançar. Lançar frases como serpentinas. Tremular imagens, relatos, versos, desenhos e devaneios como estandartes que transportem e traduzam a experiência do Carnaval de rua do Rio de Janeiro para as páginas de um livro. Espaço que promova o encontro de corpos, em um baile de ideias, histórias e imagens. Um livro-bloco, bloco de sujos, o gênero mais libertário e anárquico de bloco carnavalesco, descendente direto do mais ancestral dos carnavais, as festas dionisíacas.

 

Esta publicação nasce do desejo de refletir acerca da experiência carnavalesca a partir da perspectiva do surgimento, no Carnaval de 2019 no Rio de Janeiro, de um bloco específico. Panamérica Transatlântica foi concebida em Paris,  gestada por alguns anos no seio de La Centrale 22 por Dado Amaral, Viviana Méndez, Pablo Schalscha e outras gentes conectadas às redes transatlânticas deste coletivo. Artistas e ativistas de França, Brasil, Chile, Peru, Argentina, Portugal, Itália e de outras nações compõem esse tecido imaterial, essa rede viva. Toda essa gente fez com que o projeto de um bloco carnavalesco plurinacional, a materialização do encontro de pessoas de diferentes origens, fosse germinando aos poucos, ano após ano, até florescer no Carnaval de 19.

 

Entre os integrantes que aderiram à aventura de partir ao Brasil para botar o bloco na rua estava Bastien Gallet, coordenador das Éditions MF e colaborador de La Centrale 22. Bastien foi, viu e voltou impressionado com a força do Carnaval de rua do Rio de Janeiro. O poema Le bloc avance, síntese admirável da experiência de participar de um bloco de rua, é resultado de suas vivências no Carnaval do Rio. É de Bastien Gallet a ideia original de produzir esse livro, ensaio coletivo, experiência de reflexão, investigação e criação em torno da experiência do Carnaval e de suas potencias poéticas, políticas, históricas e sociais.

 

O critério inicial era convidar artistas e intelectuais que participaram do primeiro desfile do bloco, em março de  2019, a colaborarem com o livro, seja com textos poéticos, ficcionais ou teóricos, seja com obras visuais relacionadas ao universo carnavalesco. Com o amadurecimento do projeto, o desenho se tornou mais ambicioso, e passou a contar com colaborações de importantes pensadores contemporâneos da cultura brasileira, como o historiador Luiz Antônio Simas e o músico/musicólogo Luís Filipe de Lima, que produziram textos especialmente para esta edição. Artistas contemporâneos de renome internacional como Ernesto Neto, Jarbas Lopes e Cabelo também aderiram ao projeto e enviaram criações originais. Franck Leibovici, que participou dos ensaios e da saída do bloco em Paris (na Fête de la Musique de 2019), criou um trabalho especialmente para o livro.

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Veio o ano de 2020, e com ele a pandemia global. O Carnaval aconteceu, Panamérica Transatlântica saiu e logo após o Rio de Janeiro fechou. Durante esse tempo, o escopo do livro se ampliou ainda mais. Incluímos textos históricos de escritores centrais na cultura brasileira como Mário de Andrade, talvez o intelectual de maior importância no estudo e na compreensão da cultura popular do país. Textos dele e de Machado de Assis, José de Alencar, Lima Barreto, João do Rio, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade e Carlos Drummond de Andrade nos trazem outras perspectivas históricas e literárias ao fenômeno do Carnaval do Rio de Janeiro.

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O diálogo com as artes plásticas, constitutivo de La Centrale 22 e profundamente enraizado na tradição do Carnaval carioca, deu-se aqui desde a gênese do bloco, que tem em seu núcleo original dois artistas chilenos. Hélio Oiticica, figura central da arte brasileira, foi escolhido como um dos patronos do bloco e referência estética para Panamérica Transatlântica. Oiticica empreendeu a transição da arte abstrata, cerebral, para a busca do que chamou supra-sensorial, propondo a criação pelo ato corporal e o “exercício experimental da liberdade”. A relação do artista com a comunidade da Mangueira, sua tradicional escola de samba e o universo do Carnaval foi definitiva, e alterou definitivamente os rumos de sua obra e seu pensamento.

 

A urgência estética das proposições de Panamérica Transatlântica espelha-se em sua urgência política, já que o Brasil elegeu em 2018 um governo de extrema direita, que trouxe os militares e a cruzada moral de volta à política. Assim, organizar um bloco carnavalesco, ensaiar e desfilar pelas ruas da cidade é sobretudo uma possibilidade de promover encontros, reuniões, discussões, criação coletiva. Esse livro é também fruto dessa associação, desta rede criada em torno da ideia de bloco carnavalesco apátrida, ou de continente flutuante, tal qual a jangada de pedra de Saramago.

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Panamérica Transatlântica nasce com o coração na cultura afro-brasileira,  a cabeça no combate à desigualdade social, na integração das culturas que formam o Brasil, e na não-tolerância ao fascismo e à ignorância violenta que assolam o país, e dos quais, infelizmente, ninguém está livre ainda.

Esperamos que a “máquina de festa” deste livro-bloco, seus olhares cruzados, a dança de suas ideias e imagens possam trazer novas visões do Carnaval do Brasil, despidas dos preconceitos e das folclorizações, assim como novos entendimentos acerca de sua potencia política, de sua força de resistência, de sua proposta civilizatória.

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Dado Amaral

(texto de apresentação do livro)

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